domingo, 18 de abril de 2010

Aula de português

- Bom dia! Que bom que você chegou, estava precisando tanto da sua companhia hoje. Não, não. Não me entenda mal: eu não quis dizer que não preciso de você nos outros dias também, mas entenda que hoje eu precisei ainda mais, amor. Eu acordei cedo, sentia frio e sede. Levantei, tomei água e voltei pra cama com uma sensação tão esquisita. De perda, entende? Como se eu não fosse mais ter você e eu não gostei nem um pouco de sentir isso, acho que talvez o frio fosse esse... Era algo mais profundo, não era externo, vinha de dentro, sabe? Foi tão esquisto, não gosto de lembrar, nem queria te encher com isso tudo. Há tanta coisa pra gente conversar, meu bem. Me conta de como foi o trabalho ontem, conta? Você tá tão calado nesses últimos dias. Eu fiz algo errado, amor? Fala comigo, eu posso resolver, mudar ou pelo menos te pedir desculpas e tentar não repetir futuramente. Você nunca vai acreditar em mim, isso me dói tanto. Queria tanto sua confiança, baby. Que você acreditasse ou desse ouvidos a pelo menos metade do que eu falo, mas não quero te cobrar nada, repito que não me entenda mal. Eu sei que não tenho esse direito de te cobrar nada, a gente nem tá mais tão junto assim, não é verdade? Ô, meu bem, por que tu fazes isso comigo? Me fala o motivo, fala. Não adianta mais.

(...)

- Eu queria tanto que você estivesse vivo, amor. Por que você foi inventar de me deixar sozinha nesse barco? Não agüento mais ter que falar com suas fotografias. Não quero mais ter que preencher esse espaço vago que você deixou dessa maneira tão idiota. Só queria que a gente estivesse perto um do outro, juntinhos de novo. Lembra daquele fim de semana que a gente foi para aquela cabaninha, lembra? Foi tão engraçado, tão inesperado. Você olhava pra mim com aquela cara de menino bobo e eu sorria, sem jeito. Sinto tanto sua falta, amor. Queria que tivesse dado tempo de eu te dizer isso olhando nos seus olhos e que você pudesse me compreender.

(...)

- Eu queria te matar dentro de mim, meu bem, mas não dá. A parte de você que eu carrego se tornou maior que a que eu levo de mim mesma, é algo tão forte, tão intenso. Não sei lidar com isso, por mais que eu tente. E eu tento, tento, tento, de novo, de novo, de novo, nunca quis te ferir. Nunca quis que passasse pela sua cabeça que eu não te amava e ainda mais na intensidade que eu te amava. Amava não, amo. Você tá aqui comigo e eu vou levar você assim por tanto tempo, amor. Eu nunca vou deixar você pra trás.

(...)

- Eu choro tanto, de saudade, de arrependimento, de dor. Principalmente de dor, essa dor que eu sinto de não poder ter evitado ou de não ter parado pra olhar e conseguir enxergar de verdade. Ver a fundo e não superficialmente, eu tava ocupada pensando em mim, amor. Mas eu só penso em você agora, eu me esqueci faz tempo e não sinto falta de mim, só de você. O que mais dói é que só eu estou aqui e você não. Tenta se por no meu lugar. Você nunca me amou um terço do que eu te amei, talvez tenha sido esse amor demasiado que me cegou e me tornou incapaz de agir.

(...)

- Jura para mim que me entende? Que me perdoa? Não há nada que eu possa fazer pra ter você de volta, mas eu queria tanto tirar esse peso dessa culpa de ter deixado você ir embora tão cedo, tão desesperado e tão sozinho. Nunca quis que você fosse só, sempre pensei que a gente estava junto nessa. Dói saber que eu não sabia a verdade: agora sei. E essa dor eu não quero compartilhar com ninguém: é inteiramente minha. Cada um deve pagar pelos seus erros e eu vou pagar pelos meus. Não quis dizer que você foi um erro, por favor, você foi a coisa mais certa que já aconteceu em toda minha vida. Meu verbo transitivo direto, que fez meu coração parar em função da “norma gramatical”. E você dizia que era tão estranho se ouvir falar em coração em tempos como estes, lembra? Eu nunca vou esquecer. Nunca. Keep it in mind.

(...)

- Correr, gritar, chorar, abraçar e morrer. São esses os verbos transitivos diretos que agora comandam minha vida. Só queria uma abraço seu antes de ir. Eu te amo. Pena não ter dito a tempo, mas eu te amo. Por mais que você tenha ido sem me permitir te conhecer de verdade , saiba que eu te amo e que essa é a coisa mais verdadeira que existe em mim. Na verdade acho que é a única coisa verdadeira que eu guardo aqui: você. Você, a saudade o amor e a lembrança. Só isso.


(Sugestão: Ouça "your ex lover is dead" após concluir a leitura)

sábado, 17 de abril de 2010

Hey, sweeties! Muito embora não esteja mais escrevendo com a frequência que gostaria, queria manter-lhes a par dos acontecimentos da minha vida. Vida esta, extremamente animada e cheia de novidades, ahahaha. Quem vê, pensa! Pois bem... encontro-me hoje extremamente satisfeita comigo mesma: falta apenas um livro para que eu termine a bibliografia completa de Caio Fernando Abreu. Estou tão orgulhosa de mim, sentindo-me como que fosse essa a coisa mais linda que eu já fiz em toda a minha vida, e detalhe: de fato É. Só a nível de esclarecimento: acho que esse fim de semana eu escrevo alguma coisa e posto aqui daqui pra segunda, ok? Até breve.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Bateu uma crise de consciência forte por ter deixado isso aqui de lado. Queria muito ter tempo pra escrever, queria até criatividade para tal também. Mas enfim... Como não disponho de nenhum dos dois no momento, quero compartilhar com vocês uma carta enviada por Caio Fernando Abreu à sua amiga Jacqueline Cantore. Na carta, eles falam do suicídio de Ana Cristina César (Ana C.) grande amiga de ambos. Interessante a forma como retratam do assunto, de uma forma que pode vir a parecer fria, mas que não é o caso. Afirmo com convicção, tendo em vista que no mesmo livro (Cartas, do gênero correspondência, publicado em 2000 [se a memória não me falha]) anos depois ele ainda é indignado com o acontecido. Quando descobre que é soro positivo continua lembrando de Ana. E até escreve o texto "Sem Ana, sem blues", logo depois da morte dela (também publicado neste blog, hihihi). Então, eis a carta. Espero que gostem.

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Porto, 1° de novembro de 1983.


M’r’len,
ótimo receber tua(s) carta(s) hoje de manhã. Não sei se tenho muito o que dizer, também estou ainda em estado de choque. A gente não podia imaginar que Ana realmente conseguisse
[1]. Ou podia? Primeiro chorei e senti medo e pena. Deu vontade de deitar, dormir três meses. Aí reagi, tomei banho, fiz a barba, botei uma roupa bem limpinha e fui assistir ao último dia do Leiteiro. Que foi lindo. A casa cheia e a platéia aplaudindo em pé no final. Clélia (que melhorou incrivelmente) empacou no final e repetia, com cara de louca: “Eles vêm nos matar porque nós sobrevivemos ao fim do mundo.” O tempo todo eu sentia que, se tivesse algo a dizer (ainda) para Ana C., estava tudo naquele texto. Uma choradeira coletiva nos camarins depois.

E então sair com I. — tão lindo, mais lindo ainda —, tomar um vinho, depois vir dormir. E não conseguir: na minha cabeça, Ana C. parada à beira de uma janela. Pensamentos mórbidos: o que ela teria sentido um segundo antes de se jogar no espaço. Depois do choque, certa raiva. Com que direito, Deus, com que direito ela fez isso? Logo ela, que tinha uma arma para sobreviver — a literatura —, coisa que pouca gente tem. Pedi a Deus que não permitisse que ela ficasse muito tempo no limbo onde ficam os suicidas. Terá ouvido? Deus não andará com aquela surdez provocada pela poluição sonora?

Tudo muito horrível. Uma entrevista com Maria da Conceição Tavares na IstoÉ mais uma matéria no Jornal Nacional sobre os efeitos de uma possível (e provável) guerra nuclear (uma espessa capa de fuligem cobriria o planeta, ficaria noite durante muitos anos — Leiteiro perde) me deixaram mais apavorado.
Ai olho para I. ou fico horas com Rodrigo no colo — e a vida existe e também é bonita. E se renova. Tem lados de luz.

Rodrigo: me pareceu extremamente familiar, Odeia barulho, muita gente — é eu superquietinho. No dia que cheguei, levaram ele no médico e está com um problema relativamente grave, mas comum em bebês, um hérnia escrotal. Um dos testículos não desce, coisa assim. Vai precisar fazer cirurgia, mas é rápido. Só que Cláudia chorou horrores. Nair ficou supernervosa. Eu com meus botões pensava, não podia dar outra. Ascendente Scorpio e ainda por cima Saturno começando a fazer a conjunção do Ascendente (que é 11º 20’). Mas tá tudo bem.

S’as que a cidade tá linda. Tem uns ipês roxos roxos roxos derrubando as flores, então ruas inteiras atapetadas de roxo. Sexta e sábado foram dias lindos, claríssimos, céu e sol luminosos. Como alegria de efeito estufa dura pouco, domingo começou a chover torrentes e só tá parando agora.

Gracias pelas duas críticas (?) ao Triângulo. Cá entre nós: achei inteiramente, mas bota inteiramente nisso, idiotas. A da Bella Josef (o nome é fantastish...) é um amontoado de adjetivos. A outra nota diz mais ou menos assim porra-todo-mundo-diz-que-é-bom-pra-caralho-então-eu-vou-dizer-olha-é-bom-mesmo-mas-também-não-TANTO-assim. Haja. Fiquei lendo a matéria da Ana C. na Folha. E dá uma dor. Lembra daquele cara pixando ela acho que no JT, chamando de British virgin? Agora porque matou-se, ficou perfeita. [À margem: Horrível saber que a crise dela começou com o abaixo-assinado das famílias na vila da Gávea[2]. Aliás, Kleiton e Kledir dançaram em Salvador.] Que país, que cabeças. [...] Estou ficando cada vez mais cruel. E quero DISTÂNCIA. Umas culpas atravessam. Tivesse sido mais pacientes quem sabe? Horrível confirmação: a décima terceira voz, que eu não compreendia direito — é que foi escrita praticamente toda para Ana — agora faz todo sentido do mundo. Fica claríssima.[3]

Ontem, com uma puta chuva, nos tocamos eu e I. para os autógrafos de Tania Jamardo na Feira. Pasme: ela simplesmente NÃO FOI. No que fez muito bem, também acho.

Eu por aqui, não sei direito de mim. Pausa, compasso de espera:
a casa, para voltar, quando? Me sinto bem aqui. Tem I. Não dá para explicar. Alguma coisa em mim alivia, fica inteira, fica calma. Além de lindo, ele é leve, leal, e está ao lado. Eu tenho certeza absoluta que ele está do lado. Não há esforço. Tudo bem simples. O Jary também tá ótimo. Gorda
[4] faz questão que eu te mande este jornalzinho de Canoas e diz para prestares atenção na concordância da chamada de capa para a entrevista dela. Denise Liége em crise. Fiquei observando. Beira às vezes Ana C. Crise 50% teatral — mas perigosa, de repente você perde o pé e de tanto fingir que está profundamente infeliz, acaba não sabendo mais separar o palco da realidade. E aí a gente sabe o que acontece, não?

Adorei o recado da Patricia Dumont — vou escrever para ela. Mas não sei se mando aos cuidados do Edgar, para a joalheria ou se tento descolar o endereço daquela amiga com quem ela está morando — me parece que é uma quitinete em Copacabana ali pela Barata Ribeiro. Se souberes, me informa.

Encontrei Marquinho Franchetti!, que perguntou por ti. Estão ensaiando o García Márquez e — grande notícia — Lulu Martini volta aos palcos! Estou marcando aqui enquanto I. foi cortar o cabelo no Scalp, depois nos encontramos no Cinema São João para ver Superman III, depois temos um convite para jantar com Graça Numes e Clélia Admar. I. queria saber se precisava usar aquele Comander número 46. Eu fui da opinião que não: além da redundância, os pés não caberiam sob a mesa. Mesmo assim, acho prudente ir de botas.

Diz a Cacaia que fique bem calminha. Tá tudo bem, já passou. Fico preocupado com GM. Mas afinal, se nascemos neste tempo exato, devemos ter aprontado boas noutra encarnação. E tem o seguinte, meus senhores: não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrario: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda. Cuide-se bem, você.

Encontrei na Feira um livro chamado Entrevero de causos — queres que te mande? Ah: a Faixa Sanitária é um FATO. Fica com Deus, um beijo do

Caio F.

PS - Nana Caymmi foi VAIADA aqui. Um lugar chamado Star Club, na Assis Brasil. Tudo muito triste.

PS - Tem coisas boas: viste que o Sergião[5] ganhou os dois prêmios de Brasília (popular & erudito)? Mais o roteiro. E Tizuka NÃO levou!



[1] Refere-se ao suicídio de Ana C., ocorrido em 29 de outubro de 1983.

[2] Esta história é mencionada em meu livro sobre Ana C.: Ana Cristina Cesar — O sangue de uma poeta (Ed. Relume Dumará, 1996), capitulo final.

[3] Refere-se à narrativa “Dodecaedro”, integrante do livro Triângulo das águas, em que há um jogo dramático de 12 vozes mais uma, esta 13ª entremeada ao longo da história. Segundo nos informa Jacqueline Cantore, a narrativa origina-se de uma forte experiência de terapia de grupo vivida por Caio num retiro de fim de semana prolongado no ano de 1981.

[4] A atriz gaúcha Eliane Steinmetz

[5] Trata-se do documentário média-metragem Mato eles? de Sérgio Bianchi, o cineasta radicado em São Paulo com quem Caio viria a dividir apartamento e para quem escreveria o roteiro do longa Romance, lançado em 1988.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Uma nota

Queridos amigos, leitores e fãs,
Como podem observar, minha humildade é algo cada vez mais apurado, mas enfim... rs
Perdoem meu sumiço, juro que de tudo farei para voltar o mais breve possível.
Infelizmente me perdi e dessa vez não me achei. Whatever...
Quando tiver cabeça e tempo para postar aqui, vou tentar escrever algo que preste: Promessa.

Obrigada. (: