domingo, 30 de janeiro de 2011

além da superficialidade

     "Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos.
     O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.
     Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.
     O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso."

and you come crash into me



Num sonho de menina

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

De fora pra dentro

Do dia primeiro e com um bocado de atraso.

Suspiro. Seguidamente. Não por alívio, nem paixão, mas por cansaço, desilusão. Ando tão triste, do modo que um dia jurei a mim mesma que nunca mais ficaria. Contudo, como tudo na minha vida, meus sempres e nuncas não possuem a intensidade e durabilidade devida. E logo agora que eu vinha tão indignada com essa minha solidão, a solidão que eu sempre amei e agora me cansa. Cansei de tudo. De tentar, da vida, até dos amigos que me acolhem quando a dor é mais forte e meus olhos transbordam o sentimento. Há mais amor em mim do que o meu coração pode suportar. E talvez meu problema seja justamente administrar esse amor, sou tão mesquinha, vou deixando acumular e depois saio por aí distribuindo a quem não merece. Ou até merece, mas que meu orgulho é tão superior que reconhecer o quanto cada pessoa que eu amei foi verdadeiramente digna do meu amor se torna um fardo pesado de carregar. Deixarei isso de lado por um tempo, preciso me focar no resto. O resto não é necessariamente a sobra. Para ser bem exata, o meu resto é tudo. É a realidade. O meu resto é amor, é utopia, é a minha fuga desesperada de mim e do mundo, é vontade e sonho. Entretanto, continuam sendo tempos difíceis para os sonhadores. É preciso estar em si. É preciso e difícil me desfazer do mundo surreal e ilusório que eu me tranquei. Sabe, assisti a um filme europeu esses dias, chamado “Sonhando acordado”, achei impressionante a minha semelhança com o Stephano. Um amigo comentou dia desses também, que eu tinha que parar de viver como se tudo fosse um filme ou um livro, que eu não sou a Esther da Sylvia Plath, por mais que pareça, nem a mulher que dá a sua palavra na música do Chico Buarque. Fiquei reflexiva por um tempo, tempo este que foi suficiente para eu notar quão medíocre é a minha existência. Um trabalho que eu detesto e que só faço porque preciso do dinheiro (observe que falando assim parece até que me prostituo. Impressiono-me com minha capacidade dramática); uma universidade que diariamente me dá vontade de deixar de lado e começar de novo, noutra, diferente e distante daquela; e noites inteiras acordada, vendo filmes, lendo idiotices, alimentando a minha solidão com meus pensamentos masoquistas e desesperados. Eu sou uma máquina. Trancada no meu quarto que foi definido pela família como meu altar, meu terreirinho de macumba, só faltando a vela e a galinha preta, esbanjando melancolia e escuridão. Do jeito que eu gosto. Sou um ser desprovido de convívio social e de importância para os seres ao redor, como se eu não existisse. Como se ninguém pudesse ouvir meu choro, por mais desesperado que ele seja. Como se todas as pessoas do mundo resolvessem fingir que eu não existo. É que talvez fosse melhor que eu nem existisse mesmo. E perguntam se eu estou bem, mas quem é louco de dizer que não está? Até porque eu estou ótima. Dois quilinhos a mais, cartão de crédito pra pagar, isso não é nada diante a imensidade da vida. Eu sou amada, jovem, tenho uma vida inteira pela frente. Não gosto de anos ímpares. Vou esperar o próximo vir, este não é pra mim. Essa conjuntura com saturno não me faz bem. Esses sorrisos tortos não me fazem bem. Eu não me faço bem, nem sou capaz de fazer bem a ninguém que por loucura se aproxima de mim, porque apenas insanidade justifica que alguém se aproxime de mim. Eu sou um estorvo na vida de qualquer um. Consigo fazer com que a auto-estima de qualquer um adentre ao manto terrestre em questão de segundos de convivência. Vanessinha Baixo Astral, como dois amigos concordariam. Baixo Astral que ri, que brinca, que ama, que finge. Que tenta ser normal a qualquer preço e que só se afunda cada vez mais num poço profundo de tristeza e desilusão, como eu falei no começo. Além de tudo, que anda em círculos. Círculos cada vez mais amplos, mas ainda assim círculos. Parecem com minhas olheiras, só se expandem. Olhos cada vez mais fundos e desolados. Cujo brilho reduziu-se ao pó. E aí vem o corpo, também reduzido ao pó. E o descaso consigo mesma e a perda da vaidade e o aparecimento de fios brancos aos dezoito anos de idade, MEU DEUS, EU ACABEI COM A MINHA VIDA! Eu a estou acabando cada dia um pouco mais e simplesmente não consigo alterar o curso das coisas, nem sei se quero. Eu sou doente. Eu não quero a cura. Eu só quero que me entendam e que me deixem em paz. Parem de criticar meus modos, eu já estou tão fragilizada com isso tudo. Não gosto de ser assim, às vezes penso, mas simplesmente não saberia viver sendo de outro jeito. Eu gosto de literatura, por mais que ela somente não consiga fazer com que eu tenha a convicção de que eu sou feliz. Por mais que mesmo que a venham acompanhando o teatro, o cinema, as mais lindas canções entoadas nas mais solitárias noites, nada disso me faz feliz. Alivia. Faz-me crer que não estou só. E não estar só já é um motivo bem convincente pra continuar caminhando. Por mais que os tombos sejam maiores que os passos. Por mais que as pernas doam e a cabeça doa e tudo em mim seja dor, vai passar. A dor vai passar. É como um rio, como a correnteza, não canso de falar. Não quero me enganar. Quero viver. Feliz 2011.