terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Sobre o tempo: Sol o dia inteiro.

E a noite também.



Eram meus últimos dias Lá. Eu havia passando o dia inteiro trancado no quarto de um hotel barato, deitado, fumando, pensando. Sentia vontade de chorar, mas nenhuma lágrima sequer descia pelo meu rosto. Por mais que não tivesse mais ninguém ali, eu ainda sentia que poderia ser observado por alguém a qualquer momento e não queria demonstrar minhas fraquezas. Sabe que nessa temporada de fim de férias, quando todo mundo volta para casa e abre mão da vida supostamente diferente que viveu por uns dias para voltar à realidade, os lugares ficam cada vez mais vazios. Era exatamente o que acontecia Lá. O ar cheirava a solidão, abandono. Como se o lugar se sentisse usado, Eles iam Lá, fingiam esquecer os problemas, bebiam, sorriam, viviam pequenas e intensas histórias, quem sabe até alguma paixão, depois iam embora. Como se aquilo não significasse mais nada. Como se devesse ficar de alguma forma num passado, que por mais que recente, pareceria distante. E eu me sentia estranho. Querendo voltar para alguma coisa, para alguém, sem saber ao certo como agir, o que fazer. Aderindo de uma maneira covarde a não fazer nada e esperar as coisas acontecerem. Mesmo que fosse impossível alguma coisa mudar se eu não tomasse alguma iniciativa e determinasse a mudança. Então pensei, deitei, fumei. À noite eu me levantei daquela cama, tomei um banho quente e demorado, sentia a água bater nas minhas costas e doer um pouco, mas gostava. Observava o vapor no vidro e queria escrever algo, não sabia o que e deixei isso de lado. Terminado o banho, pus uma roupa, peguei a carteira, acendi outro cigarro e sai. Caminhava calmamente deixando o cheiro da brisa marinha inundar os meus pulmões e fazer com que eu me sentisse mais... não sei o que, puro, talvez. Parei num barzinho para comer alguma coisa ou contar com o destino para me arrumar uma companhia naquela quinta-feira solitária. Não havia praticamente ninguém lá dentro. Alguns garçons conversando sobre futebol perto do balcão; um casal sentado na última mesa, provavelmente brigando, pelo que notei na expressão fácil que a menina fazia; os freqüentadores assíduos do local, enchendo a cara e brincando uns com os outros num tom de voz que chegava a ser irritante; e uma mulher negra num vestido estampado, tendo um cigarro em uma das mãos, um livro da Sylvia Plath aberto na outra e uma cerveja sobre a mesa. Senti vontade de ir até ela, mas não sabia bem o que dizer então fiquei na minha. Sentei numa mesa perto da porta e fiquei ouvindo um som que vinha de longe, parecia um blues, mas era meio disperso e não dava para identificar quem cantava. O garçom veio até mim e perguntou o que queria, estava distraído pensando no quanto aquela mulher me intrigava e não ouvi de primeira, depois pedi um café. Forte e amargo. Tão amargo quanto eu me sentia. Tomei meu café e pensei Nela. Desde que eu havia chegado lá eu evitava pensar Nela, não consegui mais fugir dos pensamentos. Não sei se a amava, talvez eu apenas sentisse sua falta. Dei um trago forte no cigarro e observei a fumaça sair vagarosamente pela minha boca. Faltava algo. Pedi ao garçom uma garrafa de vodka, paguei e fui embora. Caminhei um pouco mais, dessa vez até chegar ao porto, continuei andando e acabei por sentar na areia da praia, tomava minha vodka a goles grandes, como se precisasse beber aquilo tão rápido quanto fosse possível. Já podia sentir o mundo girar lentamente ao meu redor e vi uma espécie de satisfação nisso. Deitei na areia e lembrei de quando eu e Ela tínhamos estado ali no ano anterior. Agora eu ouvia o som que tocava de longe com mais facilidade, era Ângela Roro que dizia que tola havia sido ela, ao abandoná-la. E quando ela falou do desamor que a vida havia ensinado, achei que era a música ideal para aquele momento. Com a visão meio turva eu consegui avistar a mulher negra do bar caminhando pela praia, não sei se indo ou vindo. Levantei e me aproximei mais, ela não se assustou ao notar a minha presença caminhando ao seu lado, ainda tinha o livro em uma das mãos, por mais que a luz fosse pouca e fosse impossível conseguir ler alguma coisa ali. Sentamos.

- O final é bem triste.
- O que?
- O livro.
Ela sorriu discretamente, como se aquilo a houvesse recordado de algo e meneou a cabeça confirmando o que eu havia dito. Um longo silêncio pairou entre nós e continuamos sentados, olhando o vai e vem das ondas, mexendo na areia com os dedos e ouvindo aquela mistura de sons que dali se ouvia, alguns carros pela orla, Ângela Roro, jovens passando conversando pela rua, não que o barulho fosse alto, mas ainda assim audível. Aquele silêncio barulhento não nos incomodou, por mais estranho que isso pareça. Ela me olhou, tinha os olhos tristes, com uma lágrima escorrendo pelo lado esquerdo do rosto, não tentou esconder isso de mim e agiu com naturalidade acerca. Só então eu notei o quanto nós dois parecíamos. Dois. Não sei que palavra poderia usar para descrever o que nós éramos. Talvez dois adultos quase bêbados e solitários, com uma grande quantidade de mágoas na bagagem e cicatrizes que nunca se apagavam.  Não nos abraçamos, nem perguntamos o nome um do outro. Mas conversamos. Muito. Não sobre nossos problemas. Sobre música, cinema, literatura, Sylvia... solidão, em terceira pessoa. Bebemos. Choramos. Passadas umas boas horas, ela pôs a mão sobre a minha e me sorriu carinhosamente, levantou e foi embora. O vento grudando o vestido no corpo e balançando seus cabelos. Também fui embora. No caminho de volta ao hotel eu parecia mais leve. Talvez pela bebida, talvez por ter posto algum sentimento ruim pra fora, talvez apenas pela companhia discreta que havia tido. Deitei na cama e constatei que o álcool no meu sangue renderia uma boa ressaca no dia seguinte. Mas estava bem. Ao acordar, decidi que iria antecipar minha volta. Juntei meus pertences e pus na mala do carro, ao me guiar para fora da cidade, vi pela janela de uma casa aquela mesma mulher, ela também me viu. Acenou para mim de uma maneira sutil e eu retribui o aceno. Não sei porquê, nem como, mas aquilo de algum modo conseguiu me mostrar exatamente o que eu devia fazer. Ao chegar em casa, eu não iria buscar uma vida inteiramente nova nem tentar maquiar os problemas e fantasmas que me dominavam antes de eu sentar naquela praia. Eu peguei o telefone, disquei um certo número e proferi uma frase: só hoje eu notei o quanto eu preciso de você, volta dessa praia e vem dar à nossa história um final diferente do da Sylvia Plath.   

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

She loves to take her clothes off




She's got another fantasy, she lives in flat number twenty three, picked first prize for carnival queen and now she takes her clothes off.
Collects the covers of her magazines, she longs to be another teenage dream, the problem is she's turning forty three, she still takes her clothes off. (...)
Police are looking around at twenty three, they found her hanging from her swollen feet, they saw her dance last in Woolworth street, she loved to take her clothes off.
She got the nickname porta bubble Joan, they found her dead, dead as nails at home. And she said "I'm gonna be another Marilyn, bleach my head and get real thin, and everybody's gonna wanna dance with me".

Sobre o tempo:

Nublado, com fortes pancadas de chuva. E de dor.



Por mais que doa, sangre, pulse, há lá no fundo uma vontade quase masoquista de que continue. Uma quantidade absurda de palavras presas na garganta ligadas a apenas um desejo: ter você aqui. E a lembrança, a lembrança de cada lágrima derramada, de cada vez que baixei o rosto pra não deixar tão explícito que estava e estou sofrendo, e que preciso de você. Da mesma forma como um dia eu tive coragem o bastante para dizer que precisava. Hoje só me resta o medo. Não de sofrer mais, mas de te esquecer. O medo de que a dor acabe por cicatrizar a única coisa bonita que ainda resta dentro de mim: esse amor que é quase um desamor. Esse amor que me enche de “quases” e não me permite ser inteira. É disso que eu gosto, de permanecer incompleta. De me permitir buscar externamente algo que consiga preencher um vazio que mais parece um buraco negro. E também é estranho o fato de eu me sentir assim, quase satisfeita com essa condição. Não quero mais, não quero de novo. Por mais que eu saiba que queira (e quero. Muito. Intensamente.) eu não quero. Só me incomoda um pouco essa contradição, equivalentemente me agrada. Já se passaram uns bons dias desde então, fica cada vez mais difícil conseguir recordar dos detalhes. Eis a razão de eu me preocupar: virginianos precisam dos detalhes. Eu, em especial, preciso de uma forma quase vital dos detalhes. E se perdem. Um riso aqui, um choro ali, imagens soltas, meio desconexas, nem sempre consigo lembrar o motivo de cada briga, de cada reconciliação, de cada vez que tive vontade de te magoar e de cada vez que eu consegui te magoar. Sim, eu só acredito que alguém gosta de mim quando eu vejo esse alguém sofrer por mim, se humilhar, mendigar meu afeto e se submeter aos meus caprichos. Não é assim que se ama, sei bem, ou talvez não saiba. E ainda jogo um outro talvez: o de TALVEZ por isso as coisas nunca darem certo pra mim. É apenas uma questão de escolhas e eu escolho que seja assim cada dia um pouco mais. De resto, eu só queria lembrar da saudade. E de não te esquecer de pedir para voltar.

Os tímidos também têm vez

Ou pelo menos deveriam.



Este texto nada mais é do que uma carta revoltada de uma tímida convicta vítima do preconceito. Sim, caros leitores, já é hora de tentarmos combater este mal tão visível e mesmo assim ignorado. Tanto ouvimos falar de preconceito racial, social, homofobia, sexismos e tudo mais, mas eis que esquecem de comentar o quanto os tímidos sofrem e são vitimados por essa espécie de exclusão social.
                Incontáveis vezes fui subestimada, em todas as situações, pelo fato de corar com facilidade e ter dificuldade em conversar com semi-conhecidos, conhecidos, ou até entre amigos (quando a quantidade destes é maior do que o que eu sou acostumada a lidar). Tudo bem, certo, admito que responder “que horas são?” ou se está “tudo bem” são coisas que podem possuir uma dificuldade maior que a real, que podem vir a exigir muito e que às vezes não estou psicologicamente preparada para aquilo, mas enfim... O ponto em que quero chegar é que nós não somos menos inteligentes, sagazes ou capazes do que qualquer um outro extrovertidozinho de araque. Há!
                Certa vez, há poucas semanas atrás, uma tia me olhou e disse: “Vanessa, como é que você – assim, tão caladinha – acha que vai se dar bem dentro do ramo do Direito? Você deveria se soltar mais, senão nunca vai conseguir ser uma boa advogada.” Na hora, confesso, minha única reação foi dar um sorriso de canto de boca e a poupar de um comentário de PH extremamente ácido. Contudo, calei. Por educação, até. Por não achar que valesse a pena discutir algo tão banal e ainda por cima que discordo com tanta veemência. Fui recriminada por isso. E creio não ter sido a única a quem já sugeriram algo semelhante. Eu deveria ter tentado esclarecer que o fato de eu não precisar me posicionar acerca dos comentários sobre a morte da bezerra, não implica dizer que eu sou retardada. Quando o assunto é de meu interesse, não hesito em falar, pelo contrário, acabo por me estender e discutir até as entrelinhas daquilo. Sou perfeitamente capaz de desenvolver um diálogo quando necessário, só não tenho essa ânsia desesperadora por conversar com qualquer um e a qualquer momento.
                “Antes tímida que efusiva. Antes silenciosa que uma tagarela insuportável.” Eu penso.
                Cada um tem direito de decidir onde e quando se sente à vontade para falar, sorrir, dançar. Tímidos do mundo, uni-vos. Já está na hora de ficar explícito que subestimar-nos é idiotice, que somos dignos de respeito e que podemos ser bem melhores se tivermos o apoio dos demais. Embora pareça, essa última frase não possui intuito de apelo, já que por mais que hajam diversos pontos negativos: não há nada melhor do que surpreender e ser aplaudido de pé por quem antes te julgava incapaz. Falar na hora certa é uma arte.  E tímido também é gente!