domingo, 25 de março de 2012

Se fosse eu, eu fugia.




Se eu tiver coragem de dizer que eu meio gosto de você
Você vai fugir a pé?
E se eu falar que você é tudo que eu sempre quis pra ser feliz
Você vai pro lado oposto ao que eu estiver?
Ei, vai pegar mal se eu contar que eu imprimi todo o seu mapa astral?
Você corre assim que der, quando souber?
E se eu falar que eu decorei seu RG só pra se precisar
Você vai pra um chalé em Macaé?
Se eu disser "foi por amor que eu invadi o seu computador"
Você pega um avião?
Se eu contar, de uma só vez, como eu achei sua senha do cartão
Você foge pro Japão, esse verão?
E se eu contar como é que eu me senti ao grampear seu celular
Você vai numa DP?
E se eu mostrar o cianureto que eu comprei pra gente se matar
Você manda me prender ao amanhecer?

Eu queria tanto que você não fugisse de mim
Mas se eu fosse você, eu fugia.


terça-feira, 20 de março de 2012

E?

Estava certo. Talvez não tão certo quanto ela queria que estivesse, entender os outros é uma questão que ia além da sua capacidade. Nem sei se o seu desejo era entender, de fato. Vai além, também. Consultou o relógio da sala antes de sair de casa com a sensação de vazio. Apressadamente desceu os degraus e passou sem dar "boa noite" ao porteiro. Passos rápidos. Mente a mil por hora. Precisava sair para que ao ver outras pessoas pudesse desfocar daquela que não saia um segundo sequer do seu pensamento. E não tinha motivos para se sentir daquele jeito. E não tinha sentido achar que podia pensar naquilo tudo. Nem dá para se culpar: passar o telefone errado sempre foi a sua maior característica. Não é culpa de ninguém, é ela. É que não dá pra saber se o outro vai ligar e se ela passar o número certo, ela vai esperar a ligação, e por mais que depois passe, vai passar pelo menos uma semana vivendo em função da chamada não recebida, que o outro acabou esquecendo de fazer e esquecendo dela e esquecendo de tudo que ela não esqueceria. Então, como se estivesse posto num código de normas comportamentais que criou para sofrer menos, ela se estabelecia essa regra: nunca passar o telefone correto para o moço na primeira noite. Era meio que um desafio também, uma prova de resistência, saber se ele iria procurar descobrir o número, descobri-la, mesmo com o telefone errado, às vezes até com o nome falso. Mas era instigante. E solitário. Porque ainda assim  esperava a chamada no dia seguinte. E a dele, esperou, bem precisamente, por nove dias. Seus olhos claros e seu toque quente não saíram da sua cabeça e ela se amaldiçoou por possuir um costume tão cruel e se abençoou por possuir um costume tão sensato. Se tivesse passado o certo e ele não tivesse ligado, teria sido pior. E se ele tivesse telefonado e alguma outra moça atendeu na linha e ele perguntou por Luísa e quem atendeu foi Beatriz e ela não conhecia nenhuma Luísa, mas eles poderiam se conhecer. Sentia ciúmes. Sentia ausência e vontade de estar perto e de se permitir estar perto e tantos outros es. E não aguentava mais. E andou, até suas pernas começarem a doer e ela perceber que estava quase correndo. E parou, num café não tão longe da sua casa, o que a fez perceber que ela andou muito, mas em círculos, típico. Entrou, sentou na mesa do canto, com a iluminação mais fraca, um pouco distante do balcão. E o garçom foi até ela e ela desejou que ele fizesse qualquer coisa além de anotar o seu pedido. Pediu uma vodka e não tinha. Se rendeu ao velho expresso, grande e sem açúcar. E tirou da bolsa uma caneta e ficou riscando num guardanapo palavras soltas, sem nenhum sentido. Por uma fração de tempo, desejou ter cursado psicologia ou qualquer outra coisa que indicasse que aquelas palavras estavam ligadas ao subconsciente dela e então teriam algum sentido. 
- Fracasso. Dúvida. Insensatez. Frio. Calor. Boca. Pele. Estudos. Guimarães Rosa. Proximidade. Dor. Contato. Você. Ele. 
Eis o conjunto de palavras escritas, umas vertical, outras horizontalmente. Umas maiores que outras. Então Luísa, que não se chamava Luísa, conseguiu perceber que não precisava ter nenhum estudo na matéria para compreender que todas aquelas palavras não vinham do seu subconsciente, mas do consciente mais consciente de todos. Todas remetiam ao moço. E o café chegou e ela nem reparou, só deu por conta depois que o garçom perguntou se estava tudo bem. Não falou nada, só sorriu para ele, ele adivinhara seu desejo anterior com um pouco de atraso. Tomou o café a grandes goles e queimou levemente a língua no primeiro contato, o que a fez levar os dedos até os lábios e lembrou que a última pessoa que havia feito aquilo em sua frente havia sido o rapaz da ligação. Amaldiçoou o destino por ter feito dela tão covarde e dele tão pouco persistente. Continuou sentada por um tempo que sequer saberia mensurar, notou que era hora de ir quando viu os dois rapazes encostados no balcão encarando a tevê com cara de cansaço. Levantou-se, pagou e foi embora. Ficaria magoada se soubesse que estou lhes dizendo, mas chorou um pouco no caminho de volta pra casa. Fez o trajeto oposto. Andou um pouco mais, até suas pernas voltarem a doer e ela se render e pegar um táxi no caminho de volta e sentir seu intuito de "andar para desopilar" ser traído. O taxista parou duas quadras antes do prédio em que ela morava. Tinha calos, Luísa. Eram tantos. Culpava o passado até quando este não tinha e menor relação com o presente. E sentiu uma fraqueza tão forte que desceu e ficou ali, sentada no meio fio, torcendo para aquela sensação de impotência passar. Também não passou. Também não o tirou da cabeça. Mas estava tudo certo, estava tudo bem. Pela primeira vez na vida, as coisas pareciam estar no lugar, não tanto quanto deveriam, mas ainda assim. O telefone tocou e de sobressalto ela mexeu a bolsa com uma velocidade ímpar, era sua mãe. Ela rejeitou a ligação e chorou um tanto mais. Era sempre assim, importava pra ela. Importava tanto que o outro nem imaginava o mal que a tinha feito. E foi pra casa esperando que ele estivesse na porta a esperando e com um sorriso no rosto ao lhe chamar de malandra, ele a havia descoberto. Quando chegou, não havia ninguém na porta, nem nenhum sorriso, nem nenhum adjetivo, nada. Então abriu a fechadura e acendeu a luz, tudo como ela havia deixado, organizado e solitário, como se um ser vivo nunca tivesse passado por ali. Atirou-se na cama e sentiu como se a cama nunca tivesse sido tão grande. E fechou os olhos e pensou que nunca se sentiu tão cheia de espaços vagos. E ficou ali, revirando na cama, como que querendo que seu corpo tocasse em cada vazio daquele colchão. E ficou ali, revirando a mente, como que querendo que a lembrança do rapaz tocasse cada espaço vazio dentro dela. O telefonema nunca chegou.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Sem efeito

Sentiu o chão desaparecer no momento em que ouviu aquelas palavras. Toda aquela lembrança que guardava em si como se fosse a essência da sua vida, o que ela acreditou que fosse amor, acabara de ser diagnosticado como uma síndrome. E, como se ela estivesse vivendo uma mentira que se fazia real a cada dia, uma série de medicamentos faria dela vazia de novo. A solução não era mais uma garrafa de tequila e uma porção de amigos tentando convencê-la de que tudo ia acabar bem. Já nem bebia mais. Já havia descoberto que seus amigos não eram tão amigos quanto ela pensou que fossem. Sabe, bateu uma angústia estranha, uma incompletude tão completa. Percebeu que o sadismo do outro só fora alimentado porque ela e o seu masoquismo permitiram. Mas agora ela tinha um médico, que via tudo de fora e subestimava aquele sentimento sublime dando-lhe o título de transtorno emocional. Como a vontade de que existisse. Como o apego ao que lhe fazia mal. Até concordava, em partes, quanto a se apegar ao que lhe fazia mal. Ela queria sentir, não importava o que, não importava se não era algo bom, sentir fazia dela viva. O que ela seria agora? O que ela era de verdade. Sentiu-se humilhada. Como se todos fossem capazes de reparar que a única coisa que ela realmente amava era à idéia de amar. Era poético e bonito. E todos os grandes romances da história foram tristes. E todo grande amor só seria grande se fosse triste. O dela o era, especialmente. Mas o dela não era amor, era síndrome. Não conseguia chegar a um consenso quanto a qual das opções seria pior. Eram as que ela tinha e ambas lhe pareciam corretas. Talvez ele estivesse certo, ela era só mais uma melancólica e o afundava, não o médico, o moço. Talvez tudo que ela precisasse era de um par de anti-depressivos e alguém lhe avisando que aquilo a iria curar. E um dia cura, sempre cura. Seja amor ou seja doença. Quem é o mais doente de nós: o sádico ou o masoquista? Eu. De longe. Espero um dia aceitar a idéia de que tudo isso que eu estou passando agora e que eu já passei antes, todas as lágrimas que o travesseiro enxugou, foram porque eu sou louca, não apaixonada. Nunca irei. Ainda me resta orgulho. Mesmo pisado. Deixa eu me enganar. Deixa eu tentar ser normal. Só isso. 

terça-feira, 6 de março de 2012

Ela vai mudar

Eu queria ser constante. Queria não dar a mínima para a minha auto-análise. Queria não precisar de balanços diários para saber responder se alguém perguntar se estou bem. E quando eu penso que finalmente parou de doer e a dor de agora é justamente a de não ter dor, eu me descubro cheia de sensibilidade. Então eu me pergunto se tocar a vida pra frente ainda faz sentido. Tanta coisa não faz sentido nesse novo estilo de vida que eu escolhi. Não sou eu. Eu sou a Vanessa que fica em casa e que prefere a solidão, um bom filme e um café. Não dá pra levar adiante nessa impressão passageira de que o convívio social possa me fazer bem. Eu queria me ter de volta. Já me tenho. Foco nos estudos, depressão na madrugada e uma dose forte de saudade. Tenho tanto medo de voltar pra mim, sendo que já voltei. Vai doer tanto. Cansei. Não estou mais tranquila, estou cheia de nóias e com uma mente ativa que me dói loucamente e estou absurdamente satisfeita de saber que meus olhos ainda enchem de lágrimas ao saber que eu fracassei de novo. Eu não precisava de uma mudança drástica na minha vida, talvez eu só precisasse me aceitar um pouco mais. Então eu volto, para atear  fogo no meu corpo mais uma vez. É de mim. Deixa estar, eu e meu masoquismo. Não vou melhorar, vou me entregar de novo, pelo menos eu sei até onde eu aguento e sei que aguento. Deixa eu insistir no meu erro, sei o peso da derrota. Por hora, abstenho-me de assumir riscos. É doentia, mas é a única forma de estabilidade que eu sou capaz de possuir.