segunda-feira, 23 de abril de 2012

Da última análise

Não tem para ninguém: vulcão, tsunami, tornado, terremoto ou guerra mundial, a palavra mais perigosa de todas é “inclusão”! É traiçoeira, vem chegando que a gente nem nota, quando dá por conta já está ali, com a gente, corriqueira e cotidiana. Não há tiro de doze no meio do rosto que estraçalhe um ser humano mais que uma inclusão mal feita. Ou feita, mas de algo errado. Por isso eu me preocupo e fico sempre à espreita, policiando cada passo meu e, confesso, por vezes, cada passo de outras pessoas também. Mas fala a verdade, incluir é mesmo perigoso. Tem que ir devagar. Sempre deixar começar com um telefonema no meio da semana, depois dois, três e deixar aquilo ir se tornando uma constante e quando não acontecer se tornar estranho, como se faltasse algo. Depois piora. Você, na quarta-feira, já vai se programando para um fim de semana com o outro e sem trabalhar a hipótese de que ele não possa, por ter que trabalhar, ou já ter marcado um pôquer com os amigos, ou uma cervejada com a antiga turma de faculdade. E vai ficando mais estranho ainda. Então o tempo vai passando e os dois começam a meio que se interligar de alguma forma misteriosa, sempre pensando nas mesmas coisas, e incluem essa magia de adivinhar o que o outro quer e tudo parece fácil e óbvio, mesmo sem ser.  Inclusão deve ser um processo lento, cauteloso. Do tipo que todo cuidado do mundo ainda é pouco. E um processo bonito também. Onde alguém vai conquistando um pedaço teu e tomando uma coisa tua de uma forma tão merecida que arranca um sorriso no fim. Como se ver um outro alguém com algo que te pertencesse fizesse de você mais dele e você quisesse parabenizá-lo ou agradecê-lo por isso. Torno a dizer: é um verbo difícil, cheio de contradições e significados dotados de mais emoção que um filme do Lars Von Trier. Inclusão também é cinema, também é música, também é literatura. É pausar um livro na metade só pra pegar o celular e digitar numa sms aquele trecho que te fez lembrar do outro. É ler uma matéria legal na internet e na mesma hora enviar um e-mail com o link da reportagem. Incluir é fazer pipoca pra dois, brigadeiro pra dez e encher o coração só com um. Incluir é pedir comida sem pimenta porque o outro é alérgico, é abrir mão do sushi porque o outro não come nada cru. É ver comédia romântica e abraçar mais forte quando o casalzinho que vai ficar bem no final brigou, mesmo sabendo que o casalzinho vai ficar bem no final. É ter ciúmes também. É dar um sorriso de ar pretensioso quando aquela menina bonita e simpática demais vem falar com o teu menino. Incluir é deixar lembrete na geladeira, é telefonar lembrando de que ele lembre que marcou de ir visitar a tia avó. É ter uma outra escova de dentes do lado da tua. É colocar mais açúcar no café e na vida. É ficar de porre junto e compartilhar até da ressaca no dia seguinte. É ir na farmácia no meio da noite quando o chá não curar a febre. Incluir é feito aquele filhote de cachorrinho, que dá vontade de apertar de tão fofo, mas que às vezes bagunça tanto que você queria que ele nem estivesse ali. Então ele vem, olha-te com cara de coitado e você já quer abraçá-lo até o fim da tua vida. De toda a gramática e de todo o dicionário, acho que é a minha palavra plurissignificativa favorita. E vê quanto ao risco que lhe falei mais cedo? Incluir é quando você começa a planejar a curto prazo e quando menos percebe já imagina tanta coisa pra fazer com aquela pessoa do lado, que uma viagem de volta ao mundo não seria suficiente. Incluir é se permitir ter medo de tudo dar errado, mas não se permitir desperdiçar um segundo ao lado de alguém que lhe faz bem. 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Let me take you down

Luísa acordou com frio no meio da noite. Eu estava tão cansado que, mesmo tendo o sono leve, não reparei que ela havia saído da cama. Não sei quanto tempo depois, eu senti que estava sozinho. Ainda não inteiramente acordado, abri levemente os olhos e ao constatar sua ausência de fato, levantei. Desnorteado, esbarrei na mesinha de centro ao chegar na sala. Ela estava enrolada num edredom, fumando, perto da janela, que ainda estava aberta, e sorriu quando olhou para trás e me viu, sonolento, dando pulinhos, numa tentativa frustrada de amenizar a dor no pé. Depois voltou a olhar para a janela e mudou a sua expressão facial em velocidade e proporções assustadoras. Eu cheguei mais perto, numa aproximação lenta, como uma forma sutil de perguntar se ela me queria ou me aceitava ali ao seu lado. 
- Abrace-me. Estou gelada.
Eu a abracei e de repente o edredom já embalava dois corpos ao invés de um. O vento frio entrava pelo apartamento e dava uma sensação de morte. Eu quis fechar a janela, ela pediu que não. Pediu para que eu a deixasse aberta. Que Luísa invejava aquele apartamento. Nela havia algo tão forte, tão ruim, dentro do peito, que daria a vida para que ela tivesse a opção de ter uma janela. Não tinha, não havia nenhuma forma de se abrir para que qualquer vento frio ou raio de sol entrasse. Continuava trancada. Feito o apartamento que vivera antes. Quitinete, sem janelas, nem telefone, nem nada que a conectasse ao mundo e à vida que acontecia lá fora. Então, abracei-a ainda mais forte, quando vi que Luísa levemente começava a soluçar um choro discreto e cheio de dor. E me doía tanto sentir-se completamente impotente diante à sua tristeza, que eu comecei a chorar junto dela. Mas ela me soltou, subitamente, e virou-se bruscamente para acender outro cigarro e puxá-lo a longos tragos, enquanto tentava se recompor e em pouco tempo já parecia completamente controlada emocionalmente. Adquiria um semblante perturbador de tanta indiferença. Eu fiquei ali, inerte, observando-a, chorando baixinho, tentando ser capaz de compreendê-la, mendigando ser uma pequena fresta que ligasse Luísa ao mundo e com a certeza absoluta que havia fracassado. A sensação de solidão continuava e era ainda mais forte agora, diante àquela mulher de feições tão rígidas, como se fosse inatingível. O amor é mesmo a coisa mais masoquista que penso ter vivido. Amá-la me doía a cada amanhecer. Não que ela não merecesse, ela só não era capaz de permitir que eu participasse da sua vida da forma correta. Eu sempre estive sozinho, nunca a tive de verdade. E mesmo que parecesse egoísta deixá-la, tão frágil, embora o disfarce de insensível, sinto que havia chegado a minha hora de ir. Depois de alguns minutos a olhando ali, de costas para mim, eu conclui que seria o certo, o mais sensato a se fazer. Fui ao quarto, juntei algumas coisas e, sem mais delongas, peguei o porta-retrato com a foto tirada pouco mais de dois anos antes, quando decidimos ficar juntos, e guardei na bolsa. Fui em direção à janela, dei um beijo em sua testa e disse que ia embora. Por um instante, torci para que ela me pedisse para ficar, que fizesse questão de mim. Ela continuou calada e só me olhou com olhos vazios. Aquela foi a última vez que eu vi Luísa. Dois dias depois, arrependido, sufocado de tanta ausência, voltei ao apartamento. A única coisa que encontrei foi uma louça suja na pia, um cinzeiro cheio e um trecho de Strawberry fields forever - Nothing's real and nothing to get hung about - como um lembrete colado na tv. Todas as janelas estavam fechadas. As portas de Luísa nunca haviam estado abertas para mim.

sábado, 14 de abril de 2012

Não vou pisar no teu pé

Sabe, às vezes eu me pego assustada com a ideia de ter te assustado, ou estar te assustando. Eu sei que sou bem mais psicótica que as outras meninas e que isso nunca foi um atrativo, mas tenta ignorar esse detalhe. Prometo tentar fazer dele irrelevante. É que não é tão comum assim eu achar alguém que eu ache que mereça minhas horas tanto quanto meus estudos e meus filmes e meus discos e minha mania de viver sozinha, e você merece. Então eu fico perdida, meio que em corda bamba, querendo medir até onde eu posso ir e até onde eu devo parar de medir e simplesmente fechar os olhos e abrir o sorriso. Procuro defeito onde não tem, assumo. Da mesma forma que transbordo de ciúmes só de pensar na ideia de você desistindo de mim porque achou alguém mais normal pra segurar tua mão e andar lado a lado contigo. E, mesmo que pareça, não é insegurança. Pelo contrário, passa longe de ser, desta vez. É que cheguei a um nível de me sentir tão segura, tão satisfeita, que começo a me preocupar achando que talvez tenha algo errado e o brilho nos olhos esteja me impedindo de enxergar a realidade, porque eu nunca sou tão segura, é uma espécie de razão completamente irracional. É loucura. Sou eu. Mas eu aceito ser figurante, mesmo sem ser. Poderia passar dias parada, sem dar um pio, só te observando. E também gosto de assistir essa coisa bonitinha que existe entre a gente. É um duplo prazer, o de viver e de lembrar o que vivi.  E amo empregar o nós, principalmente quando tem você do outro lado.  Então eu paro de novo, meço de novo, peço de novo: fica. Deixa teu coração brincar de sapatear com o meu. Mas só se realmente quiser dançar.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Madness

Não há do que reclamar. Está certo deste jeito. Por mais difícil que para mim seja conseguir fazer esta afirmação. E não difícil por orgulho, mas por medo. Medo de que tudo fuja do meu controle se, por um segundo, por descuido ou descaso, eu deixe de ser cautelosa no que diz respeito ao meu estado emocional. Até parece precoce falar desse jeito, mas sou sincera ao reconhecer que você já intera o bastante sobre mim para estar, de algum modo, ligado ao meu emocional. À minha loucura. E há sempre algo de são na minha loucura, sempre uma razão lutando para se fazer presente até onde a sua entrada não deveria ser permitida. Então eu a deixo entrar e a deixo me fazer transbordar de paranóia e deixo você ser o meu pontinho insano que faz de tudo mais bonito. Que tira a minha tranquilidade quando me enche o peito e a cabeça fazendo tudo parecer claro. E por não poder te culpar por nenhuma das vezes que outras pessoas estraçalharam a minha vida, eu me sinto segura. Como se de alguma forma nós pertencêssemos um ao outro. É que há tanta semelhança, tanta interligação de pensamentos que, por vezes, eu me perco em você e é exatamente nesse momento que eu percebo que me encontrei. E me encontro, contente e calma, com um sorriso no rosto e com você refletindo nos olhos.